quarta-feira, 21 de abril de 2021

Impacto da COVID na atividade musical: Busking, reinvenção e adaptação profissional



José Fernando Monteiro entrevista o saxofonista brasileiro Marcelo Cucco sobre a sua experiência como músico nas ruas da Europa durante a pandemia da COVID-19.



A propagação do vírus da COVID-19 afetou a sociedade a nível mundial de muitas formas. Na atividade musical isso não foi diferente e os profissionais da música sofreram com cancelamentos, restrições sociais e a consequente escassez de trabalho. Em conversa com o saxofonista brasileiro Marcelo Cucco, que atua profissionalmente como busker em território europeu, transitando, especialmente, entre Itália e França, conseguimos entender um pouco das transformações, impacto e necessidade de adaptação na rotina de trabalho dos profissionais da música causadas pela proliferação da pandemia.


Pode falar um pouco sobre você e sua formação musical?

Comecei a criar rotina de estudos musicais influenciado pelas aulas de música no ensino fundamental, aos 10 anos ingressei em uma orquestra sinfônica tocando clarinete e saxofone. Quando cheguei na adolescência, despertei interesse pela música popular, então paralelo às atividades com a música de concerto, com clarinete e saxofone, estudei contrabaixo no conservatório da cidade de Niterói, e com o contrabaixo elétrico tocava em bandas de rock’n’roll.

Aos 17 anos comecei a tocar saxofone em bandas populares e rapidamente entrei em um circuito de bandas, então me vi como um profissional da música. Ainda muito jovem dividi palco com Jorge Ben Jor, Elza Soares, Baby do Brasil, artistas consagrados da música popular brasileira, na categoria canção e instrumental.

Sempre insatisfeito com o estudo técnico da música e do instrumento, iniciei os estudos de licenciatura em música na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) em 2011, que direta e indiretamente me possibilitou desenvolver muitos projetos artísticos e pedagógicos na cidade do Rio de Janeiro e no exterior.


Pode falar um pouco sobre a sua atividade como profissional da música?

                Até 2011, mais de 80% do meu trabalho era como músico acompanhante de grupos populares, isto é, free lancer, em que geralmente fazia improvisações e contrapontos para acompanhar grupos ou artistas com carreira solo que me contratavam.

                Depois de 2011, comecei a desenvolver trabalhos instrumentais, com composições próprias, covers ou tocando com DJs em eventos privados e corporativos, então meus trabalhos de side [paralelo] passaram a ser menos de 20%.        
Paralelamente, sempre procurei fazer busking (arte de rua), especialmente quando a demanda para shows era baixa.

Nos últimos anos, me mudei para a Europa, e não mudei meu perfil profissional. Continuei realizando meus próprios projetos, ou buscando parcerias para desenvolver projetos temporários, onde geralmente sou solista das atividades. 



Marcelo Cucco. Créditos da foto: Nicolò Metti.


Como a pandemia afetou as suas atividades profissionais?

A pandemia primeiro cortou todos os eventos em espaços fechados. Não pude mais realizar concertos em pubs, festas particulares, etc. Mas por outro lado, não me impediu de realizar as atividades de busking.


Você não ficou, ao menos um por um curto espaço de tempo, sem poder ir para as ruas também?

Em teoria não fui proibido de ir pra rua. Aqui na Itália, e na Europa quase que em geral é assim. Eles acompanham a evolução dos casos e pra cada percentual de infectados, em cada região, entra uma categoria de controle. São “níveis de infecção”, pra cada nível, suas regras específicas. Em todos os níveis aqui na Itália, proibiram aglomeração de pessoas e pubs, etc. Em outros, fica vetado ficar parado na rua e restaurantes fechados.... os mais extremos só permitem sair pra fazer compra em mercado e voltar pra casa. Isso influencia sempre no retorno financeiro.



Marcelo Cucco. Créditos da foto: Nicolò Metti.


Você esteve também no Brasil, não é?! E não saiu a rua, não é mesmo?!

Isso. No Brasil, só consegui trabalhar dando aula online e com um projeto de edital cultural do governo do Rio de Janeiro. Fui ao Brasil com intenção de voltar, mas fiquei trancado porque estava começando né? Na europa teve um controle total, histórico, ninguém conhecia nada do vírus. Foi a única alternativa que tinham. Agora conhecendo mais, com testes gratuitos, reconhecimento das variantes, estatística de casos, etc... isso ajuda.

Não é desejo de nenhum governo ver as pessoas paradas em casa né?! A arte de rua, inclusive, tem aliviado muita gente aqui com carência de cultura. Eu toco sempre de máscara. Na Itália é obrigado a usar máscara em qualquer lugar da rua. Caso contrário, multa de 300 euros aproximadamente. Tem muito policiamento na rua, até Exército, tive que improvisar uma máscara especial pra tocar sax. Só isso que precisei fazer de diferente.

Mas isso não é Europa. Lembrando que moro em Gênova, na Itália. Lei de um Estado, de um país. Cada país, cada região tem suas próprias regras. Tem cidades na Itália que é crime tocar na rua, por exemplo, outras tem que ter licença especial. Cada cidade, de cada país, tem regras diferentes. O mesmo pra Alemanha, França, Inglaterra, etc.

Existe um regulamento oficial de busking de cada região. Onde moro, as leis anti covid não afetaram o que diz o regulamento de busking. Só o lance da máscara que precisa usar, porque é pra todo mundo a partir do momento que sai de casa. Uma regra que, por exemplo, não é obrigatória na Inglaterra, etc. Essa lei de ter que usar máscara se não toma multa, é uma lei nacional da Itália, decreto nacional.


De uma forma geral, como tem enfrentado as dificuldades durante a pandemia?

                Criei uma rotina rígida com busking. Toco todos os dias no turno da manhã e da tarde, cada dia em ruas diferentes para não saturar o público. E também realizei shows online, com venda de ingresso e parceria de outros músicos e videomakers.


Que perspectivas futuras imagina no contexto pós-pandemia (no geral e para a sua atuação em específico)?

                Imagino que se a vacina não for capaz de conter o avanço da pandemia, seguramente as atividades online evoluirão muito, a ponto de transformar a cultura do consumo musical de vez. Os shows online ao vivo serão cada vez mais constantes. Por outro lado, as atividades de busking continuarão sendo opção de muitos que já realizam essas atividades, como também será a alternativa para muitos outros artistas que ainda não testaram-se tocando nas ruas.


Entrevista concedida por Facebook-Messenger no dia 12 fev. 2021.




Publicado originalmente em inglês no site Hypotheses, disponível em: https://wim.hypotheses.org/1678?fbclid=IwAR1Hm4ooGRKQPXh5P090w2KnNwoylDoefsKGMcanvwtszXMxJTC-zq4G3S8