José Fernando Monteiro entrevista o saxofonista brasileiro Marcelo Cucco sobre a sua experiência como músico nas ruas da Europa durante a pandemia da COVID-19.
A
propagação do vírus da COVID-19 afetou a sociedade a nível mundial de muitas
formas. Na atividade musical isso não foi diferente e os profissionais da
música sofreram com cancelamentos, restrições sociais e a consequente escassez
de trabalho. Em conversa com o saxofonista brasileiro Marcelo Cucco, que atua
profissionalmente como busker em
território europeu, transitando, especialmente, entre Itália e França,
conseguimos entender um pouco das transformações, impacto e necessidade de
adaptação na rotina de trabalho dos profissionais da música causadas pela
proliferação da pandemia.
Pode falar um pouco sobre você e sua formação musical?
Comecei
a criar rotina de estudos musicais influenciado pelas aulas de música no ensino
fundamental, aos 10 anos ingressei em uma orquestra sinfônica tocando clarinete
e saxofone. Quando cheguei na adolescência, despertei interesse pela música
popular, então paralelo às atividades com a música de concerto, com clarinete e
saxofone, estudei contrabaixo no conservatório da cidade de Niterói, e com o
contrabaixo elétrico tocava em bandas de rock’n’roll.
Aos
17 anos comecei a tocar saxofone em bandas populares e rapidamente entrei em um
circuito de bandas, então me vi como um profissional da música. Ainda muito
jovem dividi palco com Jorge Ben Jor, Elza Soares, Baby do Brasil, artistas
consagrados da música popular brasileira, na categoria canção e instrumental.
Sempre
insatisfeito com o estudo técnico da música e do instrumento, iniciei os
estudos de licenciatura em música na Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO) em 2011, que direta e indiretamente me possibilitou
desenvolver muitos projetos artísticos e pedagógicos na cidade do Rio de
Janeiro e no exterior.
Pode falar um pouco sobre a sua atividade como profissional da música?
Até 2011, mais de 80% do meu
trabalho era como músico acompanhante de grupos populares, isto é, free lancer, em que geralmente fazia
improvisações e contrapontos para acompanhar grupos ou artistas com carreira
solo que me contratavam.
Depois de 2011, comecei a
desenvolver trabalhos instrumentais, com composições próprias, covers ou tocando com DJs em eventos
privados e corporativos, então meus trabalhos de side [paralelo] passaram a ser menos de 20%.
Paralelamente, sempre procurei fazer busking
(arte de rua), especialmente quando a demanda para shows era baixa.
Nos
últimos anos, me mudei para a Europa, e não mudei meu perfil profissional.
Continuei realizando meus próprios projetos, ou buscando parcerias para
desenvolver projetos temporários, onde geralmente sou solista das atividades.
Como a pandemia afetou as suas atividades profissionais?
A
pandemia primeiro cortou todos os eventos em espaços fechados. Não pude mais
realizar concertos em pubs, festas
particulares, etc. Mas por outro lado, não me impediu de realizar as atividades
de busking.
Você não ficou, ao menos um por um curto espaço de tempo,
sem poder ir para as ruas também?
Em teoria não fui
proibido de ir pra rua. Aqui na Itália, e na Europa quase que em geral é assim.
Eles acompanham a evolução dos casos e pra cada percentual de infectados, em
cada região, entra uma categoria de controle. São “níveis de infecção”, pra
cada nível, suas regras específicas. Em todos os níveis aqui na Itália,
proibiram aglomeração de pessoas e pubs,
etc. Em outros, fica vetado ficar parado na rua e restaurantes fechados.... os
mais extremos só permitem sair pra fazer compra em mercado e voltar pra casa. Isso
influencia sempre no retorno financeiro.
Você esteve também no Brasil, não é?! E não saiu a rua,
não é mesmo?!
Isso.
No Brasil, só consegui trabalhar dando aula online
e com um projeto de edital cultural do governo do Rio de Janeiro. Fui ao Brasil
com intenção de voltar, mas fiquei trancado porque estava começando né? Na
europa teve um controle total, histórico, ninguém conhecia nada do vírus. Foi a
única alternativa que tinham. Agora conhecendo mais, com testes gratuitos, reconhecimento
das variantes, estatística de casos, etc... isso ajuda.
Não
é desejo de nenhum governo ver as pessoas paradas em casa né?! A arte de rua,
inclusive, tem aliviado muita gente aqui com carência de cultura. Eu toco
sempre de máscara. Na Itália é obrigado a usar máscara em qualquer lugar da
rua. Caso contrário, multa de 300 euros aproximadamente. Tem muito policiamento
na rua, até Exército, tive que improvisar uma máscara especial pra tocar sax. Só
isso que precisei fazer de diferente.
Mas
isso não é Europa. Lembrando que moro em Gênova, na Itália. Lei de um Estado,
de um país. Cada país, cada região tem suas próprias regras. Tem cidades na
Itália que é crime tocar na rua, por exemplo, outras tem que ter licença
especial. Cada cidade, de cada país, tem regras diferentes. O mesmo pra
Alemanha, França, Inglaterra, etc.
Existe
um regulamento oficial de busking de
cada região. Onde moro, as leis anti covid não afetaram o que diz o regulamento
de busking. Só o lance da máscara que
precisa usar, porque é pra todo mundo a partir do momento que sai de casa. Uma
regra que, por exemplo, não é obrigatória na Inglaterra, etc. Essa lei de ter
que usar máscara se não toma multa, é uma lei nacional da Itália, decreto
nacional.
De uma forma geral, como tem enfrentado as dificuldades
durante a pandemia?
Criei uma rotina rígida com busking.
Toco todos os dias no turno da manhã e da tarde, cada dia em ruas diferentes
para não saturar o público. E também realizei shows online, com venda de ingresso e parceria de outros músicos e videomakers.
Que perspectivas futuras imagina no contexto pós-pandemia
(no geral e para a sua atuação em específico)?
Imagino que se a vacina
não for capaz de conter o avanço da pandemia, seguramente as atividades online evoluirão muito, a ponto de
transformar a cultura do consumo musical de vez. Os shows online ao vivo serão cada vez mais constantes. Por outro
lado, as atividades de busking
continuarão sendo opção de muitos que já realizam essas atividades, como também
será a alternativa para muitos outros artistas que ainda não testaram-se
tocando nas ruas.
Entrevista concedida
por Facebook-Messenger no dia 12 fev. 2021.
Publicado originalmente em inglês no site Hypotheses, disponível em: https://wim.hypotheses.org/1678?fbclid=IwAR1Hm4ooGRKQPXh5P090w2KnNwoylDoefsKGMcanvwtszXMxJTC-zq4G3S8
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