terça-feira, 25 de junho de 2019

O jazz em Portugal


O “jazz”, é um estilo musical proveniente dos Estados Unidos, estando entre os mais influentes e difundidos do século XX, e é assim definido pelo Dicionário de Música, de Tomás Borba e Fernando Lopes-Graça (originalmente publicado no final da década de 1950):
“[...] tipo de música de procedência americana, ou, antes, negro-americana, que teve larga popularidade em todo o mundo nos anos que se seguiram à primeira guerra mundial, subscitou vivas controvérsias, teve apaixonados e detractores, sofreu várias evoluções, exerceu inegáveis influências, mesmo na música culta e cujo influxo, atenuado embora, está longe ainda hoje de se achar extinto.” (BORBA; LOPES-GRAÇA, 1999a, pp. 36-37).
No panorama português o “jazz” era presença permanente ao menos desde a década de 1920, quando a chamada “invasão americana” “[...] tinha já começado a despontar em Paris – o seu grande centro de emanação europeia –, Londres e Berlim, instalando-se também nos cabarets e casinos de Lisboa.” (SANTOS, 2013, p. 13). António Ferro, modernista, homem de letras e, depois, à frente do SNI, durante o Estado Novo, foi o primeiro nacional português a se interessar pelo crescimento internacional do “jazz”, publicando, em 1923, A Idade do Jazz Band, livro de suporte para conferências que realizou no Brasil, entre 1922 e 1923 (em plena eclosão da Semana de Arte Moderna), no Rio de Janeiro, em São Paulo e Santos. A obra, no entanto, não trata do “jazz” em si, mas serve de metáfora para aquilo que julga representar um novo tempo: “Ferro vê, de facto, o jazz como uma semente de uma humanidade, um género de trombeta anunciadora de maior liberdade face às tradições e costumes cristalizados do velho continente:” (SANTOS, 2013, p. 15). Assim António Ferro define o fenômeno do "jazz-band, símbolo de uma “modernidade” aterradora:
“O Jazz-Band, frenético, diabólico, destranbelhado e ardente, é a grande fornalha da nova humanidade. Por cada rufo sinistro de tambor, por cada furiosa arcada, há um corpo que se liberta, um corpo que fica reduzido a linhas, a linhas emaranhadas... O Jazz-Band é o trunfo da dissonância, é a loucura que é a única renovação possível do velho mundo... [...] O Jazz-Band é a proclamação dessa loucura. O Jazz-Band a encarnado e negro, a todas as cores, é o relógio que melhor dá as horas de hoje, as horas que passam a dançar, horas foxtrotadas, nervosas... No Jazz-Band, como num écran, cabem todas as imagens da vida moderna. [...] Toda a Vida, toda a Arte, todo o Universo, cabem no jazz-band, no jazz-band onde eu próprio caibo, onde eu próprio caibo, onde eu próprio estou, onde eu me suicido, onde eu naufrá[go]...” (FERRO, 1923, pp. 54-57, grifos do autor).
Um ano depois, também o viajante Ricardo Jorge, reconhecendo o tom esfuziante do novo ritmo, num momento em que não se definiam muito bem os gêneros musicais, ainda que em tom enfastiado, relata suas impressões: “O fox-trot [vaga de dança] pateia-se aos sacões, ao compasso esbandalhado do jazz-band, orquestra de negralhada, onde o músico da caixa e da pancada se descabeça e ulula terrorosamente. Este chinfrim de peles pretas a rechinar nas orelhas e a badalar nas gâmbias, ensandeceu o Paris festeiro.” (JORGE apud SANTOS, 2013, p. 20, grifos do autor).
Fazendo uma melhor definição dos estilos e também uma descrição das origens do “jazz”, o pequeno livreto A Música nos Estados Unidos, publicado pela Secretaria das Informações de Guerra dos EUA (s/d). traz as seguintes palavras:
“Qualquer indivíduo onde quer que more, se possuir um aparelho de rádio terá provavelmente ouvido o jazz. Seu compasso e ritmo divulgaram-se de Paris à Sibéria, das praias da África à Nova Guiné. Esse típico dialecto americano, às vezes cognominado ‘a música foclórica mais vívida do nosso tempo’ apareceu, pela primeira vez, na cidade sulina de Nova Orleans. No início do século, negros errantes, à procura de trabalho fora das plantações, instalaram-se em cafés e salões de dança para deliciar as audiências com sons primitivos e frescos que tiravam se seus instrumentos. Mais tarde esse género de música foi levado para o norte, a Chicago, onde brancos e negros desenvolveram o estilo que os franceses chamam de ‘Le jazz hot’. Após a guerra de 1914-18, Nova York tornou-se o centro dos compositores de jazz. A antigo ‘ragtime’ sucedeu o foxtrote e o ‘bunny-hug’ que depois cedeu lugar ao exagerado ‘swing’, ao ‘jump’ e ‘jive’, ao ‘thump-thump’ dos pianistas do ‘boogie-woogie’.” (A Música nos Estados Unidos, s/d, pp. 09-10).
Em Portugal, depois da década de 1920, as referências sobre o “jazz” encontram maior representação literária nos romances, essencialmente traduções (SANTOS, 2013, p. 40), embora seja inegável “[...] que este género musical conheceu a partir dos anos 50 uma dinâmica, divulgação e visibilidade até então inigualáveis.” (SANTOS, 2013, p. 52). E Santos considera os muitos fatores que concorrem para a expansão e aceitação do “jazz” em Portugal: o primeiro deles é “a constituição legal dos primeiros clubes de jazz nacionais”, entre os quais o Hot Clube de Portugal e o Clube Universitário de Jazz, a isso se segue a organização dos grandes concertos de “jazz” em Lisboa, depois a difusão pelos meios de comunicação, nomeadamente o rádio e a televisão, a exemplo do programa TV Jazz, apresentado na RTP por Manuel Sousa Veloso, a partir de 1963, e, por fim, a maior “legitimação cultural” do gênero enquanto “arte musical”, afastando-se dos esteriótipos de ”músicas de selvagens” ou “infernal”, que o caracterizara em sua fase inicial (SANTOS, 2013, pp. 52-53).
A revista Mundo da Canção, também dá nota de outro veículo de difusão do “jazz”, surgido em meados de 1971, a rubrica Cinco Minutos de Jazz, de autoria de José Duarte e integrando o programa 23ª Hora, da Rádio Renascença, confirmando a consolidação do gênero em terras portuguesas, sobre o que também fala a revista: “Decididamente o Jazz custa a entrar no público português, quer ele seja o ‘velho’ ou o ‘jovem’. Jazz, cá nestas bandas, só para uns quantos indivíduos que muita gente considera ‘snobs’. Pois quem assim pensa anda redondamente enganado.” (CORDEIRO In Mundo da Canção, 20 mai. 1971, p. 27, BNP, grifos do autor).


Este texto é parte da tese de Doutorado intitulada "Festivais RTP e Festivais da MPB: Entre a Tradição e a Modernidade", em andamento no âmbito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Universidade de Lisboa, com financiamento Faperj. 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Da viola à guitarra elétrica: instrumentos da moda na trajetória musical brasileira.


Através de pesquisa bibliográfica, utilizando-se de fontes diversas, valorizando o conceito de documento reconhecido pela “revolução documental”, contemplando o mais amplo material do qual se disponha, sejam: escritos; gravações de áudio; gravações audiovisuais; ou iconografias, pretende-se aqui compreender, e aqui se faz objeto, a trajetória da interação entre a música praticada no Brasil e os instrumentos musicais utilizados para sua execução, privilegiando aqueles instrumentos que contaram com uma maior aceitação popular, seja por músicos profissionais, seja por diletantes, envolvendo o aprendizado regular, ou simplesmente a tendência de um determinado período (zeitgeist).
            A fundamentação teórica que mantém nossa argumentação se encontra na historiografia musical brasileira que, dentro de uma perspectiva evolutiva da Música Popular Brasileira, sempre associa um instrumento musical, aos gêneros musicais que se encontram em voga, é o caso da modinha com a viola, do maxixe com o piano, do choro e do samba com o pandeiro, do baião com a sanfona, da bossa-nova e da MPB com o violão e do rock com a guitarra elétrica. Torna-se, deste modo, indispensável o conhecimento dos instrumentos utilizados para a execução dos diferentes gêneros, para enfim, compreendermos a própria musicalidade brasileira e as formas como se desenvolveu ao longo de sua história.
            Pretendemos, portanto, apontar como ocorreu na trajetória musical brasileira, a assimilação de um instrumento específico para cada gênero musical que se destacou e ganhou o gosto popular, demonstrando ainda que alguns destes instrumentos chegaram mesmo a se tornar marcas dos gêneros que acompanham e/ou ainda mais do que isso, tornaram-se símbolos e representantes de uma identidade nacional brasileira, em outras palavras, sinônimo de ‘brasilidade’.

Publicado originalmente  no X Seminário de Pesquisa do Departamento da Universidade Federal do Ceará (UFC), 2014.