O
“jazz”, é um estilo musical proveniente
dos Estados Unidos, estando entre os mais influentes e difundidos do século XX,
e é assim definido pelo Dicionário de
Música, de Tomás Borba e Fernando Lopes-Graça (originalmente publicado no
final da década de 1950):
“[...] tipo de música de procedência
americana, ou, antes, negro-americana, que teve larga popularidade em todo o
mundo nos anos que se seguiram à primeira guerra mundial, subscitou vivas
controvérsias, teve apaixonados e detractores, sofreu várias evoluções, exerceu
inegáveis influências, mesmo na música culta e cujo influxo, atenuado embora,
está longe ainda hoje de se achar extinto.” (BORBA; LOPES-GRAÇA, 1999a, pp.
36-37).
No
panorama português o “jazz” era
presença permanente ao menos desde a década de 1920, quando a chamada “invasão
americana” “[...] tinha já começado a despontar em Paris – o seu grande centro
de emanação europeia –, Londres e Berlim, instalando-se também nos cabarets e
casinos de Lisboa.” (SANTOS, 2013, p. 13). António Ferro, modernista, homem de
letras e, depois, à frente do SNI, durante o Estado Novo, foi o primeiro
nacional português a se interessar pelo crescimento internacional do “jazz”, publicando, em 1923, A Idade do Jazz Band, livro de suporte
para conferências que realizou no Brasil, entre 1922 e 1923 (em plena eclosão
da Semana de Arte Moderna), no Rio de Janeiro, em São Paulo e Santos. A obra,
no entanto, não trata do “jazz” em
si, mas serve de metáfora para aquilo que julga representar um novo tempo:
“Ferro vê, de facto, o jazz como uma semente de uma humanidade, um género de
trombeta anunciadora de maior liberdade face às tradições e costumes
cristalizados do velho continente:” (SANTOS, 2013, p. 15). Assim António Ferro
define o fenômeno do "jazz-band,
símbolo de uma “modernidade” aterradora:
“O Jazz-Band, frenético, diabólico, destranbelhado e ardente, é a
grande fornalha da nova humanidade. Por cada rufo sinistro de tambor, por cada
furiosa arcada, há um corpo que se liberta, um corpo que fica reduzido a
linhas, a linhas emaranhadas... O Jazz-Band
é o trunfo da dissonância, é a loucura que é a única renovação possível do
velho mundo... [...] O Jazz-Band é a
proclamação dessa loucura. O Jazz-Band
a encarnado e negro, a todas as cores, é o relógio que melhor dá as horas de
hoje, as horas que passam a dançar, horas foxtrotadas, nervosas... No Jazz-Band, como num écran, cabem todas as imagens da vida moderna. [...] Toda a Vida,
toda a Arte, todo o Universo, cabem no jazz-band,
no jazz-band onde eu próprio caibo,
onde eu próprio caibo, onde eu próprio estou, onde eu me suicido, onde eu
naufrá[go]...” (FERRO, 1923, pp. 54-57, grifos do autor).
Um
ano depois, também o viajante Ricardo Jorge, reconhecendo o tom esfuziante do
novo ritmo, num momento em que não se definiam muito bem os gêneros musicais,
ainda que em tom enfastiado, relata suas impressões: “O fox-trot [vaga de dança] pateia-se aos sacões, ao compasso
esbandalhado do jazz-band, orquestra
de negralhada, onde o músico da caixa e da pancada se descabeça e ulula terrorosamente.
Este chinfrim de peles pretas a rechinar nas orelhas e a badalar nas gâmbias,
ensandeceu o Paris festeiro.” (JORGE apud SANTOS, 2013, p. 20, grifos do autor).
Fazendo
uma melhor definição dos estilos e também uma descrição das origens do “jazz”, o pequeno livreto A Música nos Estados Unidos, publicado
pela Secretaria das Informações de Guerra dos EUA (s/d). traz as seguintes
palavras:
“Qualquer indivíduo onde quer que
more, se possuir um aparelho de rádio terá provavelmente ouvido o jazz. Seu
compasso e ritmo divulgaram-se de Paris à Sibéria, das praias da África à Nova
Guiné. Esse típico dialecto americano, às vezes cognominado ‘a música foclórica
mais vívida do nosso tempo’ apareceu, pela primeira vez, na cidade sulina de
Nova Orleans. No início do século, negros errantes, à procura de trabalho fora
das plantações, instalaram-se em cafés e salões de dança para deliciar as
audiências com sons primitivos e frescos que tiravam se seus instrumentos. Mais
tarde esse género de música foi levado para o norte, a Chicago, onde brancos e
negros desenvolveram o estilo que os franceses chamam de ‘Le jazz hot’. Após a
guerra de 1914-18, Nova York tornou-se o centro dos compositores de jazz. A
antigo ‘ragtime’ sucedeu o foxtrote e o ‘bunny-hug’ que depois cedeu lugar ao
exagerado ‘swing’, ao ‘jump’ e ‘jive’, ao ‘thump-thump’ dos pianistas do
‘boogie-woogie’.” (A Música nos Estados
Unidos, s/d, pp. 09-10).
Em
Portugal, depois da década de 1920, as referências sobre o “jazz” encontram maior representação
literária nos romances, essencialmente traduções (SANTOS, 2013, p. 40), embora
seja inegável “[...] que este género musical conheceu a partir dos anos 50 uma
dinâmica, divulgação e visibilidade até então inigualáveis.” (SANTOS, 2013, p.
52). E Santos considera os muitos fatores que concorrem para a expansão e
aceitação do “jazz” em Portugal: o
primeiro deles é “a constituição legal dos primeiros clubes de jazz nacionais”,
entre os quais o Hot Clube de Portugal e o Clube Universitário de Jazz, a isso
se segue a organização dos grandes concertos de “jazz” em Lisboa, depois a difusão pelos meios de comunicação,
nomeadamente o rádio e a televisão, a exemplo do programa TV Jazz, apresentado na RTP por Manuel Sousa Veloso, a partir de
1963, e, por fim, a maior “legitimação cultural” do gênero enquanto “arte
musical”, afastando-se dos esteriótipos de ”músicas de selvagens” ou
“infernal”, que o caracterizara em sua fase inicial (SANTOS, 2013, pp. 52-53).
A
revista Mundo da Canção, também dá
nota de outro veículo de difusão do “jazz”,
surgido em meados de 1971, a rubrica Cinco
Minutos de Jazz, de autoria de José Duarte e integrando o programa 23ª Hora, da Rádio Renascença, confirmando
a consolidação do gênero em terras portuguesas, sobre o que também fala a
revista: “Decididamente o Jazz custa a
entrar no público português, quer ele seja o ‘velho’ ou o ‘jovem’. Jazz, cá
nestas bandas, só para uns quantos indivíduos que muita gente considera
‘snobs’. Pois quem assim pensa anda redondamente enganado.” (CORDEIRO In Mundo da Canção, 20 mai. 1971, p. 27,
BNP, grifos do autor).
Este texto é parte da tese de Doutorado intitulada "Festivais RTP e Festivais da MPB: Entre a Tradição e a Modernidade", em andamento no âmbito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Universidade de Lisboa, com financiamento Faperj.
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