sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

O galo do FIC




Em 1966, depois de iniciada a moda dos festivais de música no Brasil, Augusto Marzagão teve a ideia de realizar um festival contando com uma fase nacional e outra internacional, na qual competiriam artistas do mundo todo com um representante brasileiro selecionado na primeira fase. O lugar escolhido para a realização deste grandioso evento foi o ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, apesar dos muitos problemas com a sonoridade.  Mas, ainda assim, precisaria-se de um símbolo e foi desta forma que nasceu o “galo do FIC”, desenhado pelo cartunista Ziraldo para a primeira edição do Festival Internacional da Canção e permanecendo como “símbolo” do FIC até a penúltima edição, em 1971.  
Segundo conta Zuza Homem de Mello, para a primeira edição do FIC, em 1966, o diretor Augusto Marzagão precisava de uma marca, um logotipo, e falou com Ziraldo, que pensou e disse:
“– Qual o canto que é ouvido no mundo inteiro, até na Conchinchina? – perguntou-lhe Ziraldo. – É o canto do galo.
– É isso mesmo – concordou Marzagão. – Então desenha um galo pra mim.” (MELLO, 2003, p. 413).  


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O “galo” desenhado por Ziraldo, foi feito no estilo do pintor francês Georges Mathieu, que esteve no Brasil e de quem Ziraldo se tornou amigo. O desenho inicial era apenas um esboço que Ziraldo havia rabiscado em suas horas vagas, mas que Maragão julgou irretocável, escolhendo aquele mesmo para o símbolo do FIC. A este somou-se um outro utilizado nas correspondências, documentos oficiais e também para o troféu, “galo de ouro”, entregue aos vencedores: “[…] um desenho simplificado de galo baseado numa clave de sol, também de Ziraldo […]” (MELLO, 2003, p. 413). 


A representativa ave que inspirou Ziraldo, e seu canto, todavia, guarda uma história muito antiga. Para os gregos o “galo” é uma ave do deus Marte (Ares para os romanos), simbolizando orgulho, coragem, vigilância e prontidão (MANGIN, dez. 2012). A palavra “galo” vem do latim “gallus”. Na mitologia romana, Aléctrion era um efebo e confidente de Ares, que era amante de Afrodite, esposa de Hefesto. Um dia, Ares pediu para Aléctrion vigiar a porta durante uma noite que passava com Afrodite, mas Aléctrion adormeceu. Nesta noite, Helios (o Sol) entrou no lugar e avistou os amantes, correndo em seguida para avisar Hefesto, que convocou todos os deuses do Olimpo para presenciar o despertar e a vergonha dos culpados. Para punir Aléctrion, e sempre lembrá-lo de seu erro, Ares transformou-o em um “galo”, “simbolizando” aquele que nunca se esquece de cantar e anunciar o aparecer do sol. (HACQUARD, 1996, p. 41). 
Quando os romanos dominaram a Gália, que hoje corresponde ao território da França, acharam engraçada a semelhança entre as palavras gallus (“galo”) e Gallus (“Gaulês”), de modo que começaram a provocar os gauleses pelo trocadilho com os termos. Os habitantes da Gália, no entanto, vieram a assimilar essa relação com o “galo” tornando-o um “símbolo” próprio, o que os franceses também fizeram por corolário, desde a Revolução Francesa. Os romanos nunca exitaram em ostentar e esculpir “galos gauleses”, de modo que são muitos os vestígios que chegam aos dias de hoje deste tipo de representação.
Ademais, conta a lenda que um gaulês, em pererinação à Santiago de Compostela, ficou hospedado em uma estalagem na cidade de Barcelos, na região minhota, ao norte de Portugal (SARAIVA, RTP Arquivos [online]). Mas durante sua permanência ocorreu o roubo de algumas pratas e logo o peregrino, por ser desconhecido, foi acusado. Ao que parece, o jovem gaulês, muito vistoso, chamou a atenção da estalajadeira, que quis dormir com o jovem, ele se recusando por ser um romeiro, foi vítima de uma vingança da hospedeira, que incutiu alguns talheres de prata em sua bolsa. Quando o rapaz ia deixando a hospedaria a senhora gritou: – Ladrão! Ao se examinar a bolsa do jovem, lá estavam os talheres de prata. O gaulês, como mandava a lei deste tempo, foi condenado a morte pelo roubo. O estranho pediu para, antes de ser executado, estar na presença do juíz, que estava em um banquete, com um galo assado a sua frente. Defendendo-se, e pedindo a Santiago que o auxiliasse naquele momento, o peregrinou professou: – Tanto é verdade que sou inocente que este galo vai cantar na hora de meu enforcamento! O juiz ficou observando o galo e no momento da execução o galo realmente cantou, além do nó da corda do enforcamento ter falhado, o que todos julgaram ser um milagre. A partir daí, por ter salvo o peregrino da morte, todos passaram a acreditar que ter um “galo de Barcelos” em casa traz sorte. O “galo”, então, tornou-se um símbolo de Barcelos e, depois, um “símbolo nacional” português.
No VII FIC, entretanto, o último da “Era dos Festivais”, quando Augusto Marzagão foi substituído por Solano Ribeiro na direção do festival, o “galo” de Ziraldo também foi mudado, por um outro integrando as letras “F.I.C.”.



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Referências:


HACQUARD, Georges. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. Tradução Maria Helena Trindade Lopes. Rio Tinto: Edições ASA, 1996.

MANGIN, Jean-Pierre. Os Animais como Símbolos Nacionais. A Filatelia Portuguesa (Revista Filatélica) [digital], nº 112, dez. 2002. Disponível em: <https://fep.up.pt/docentes/cpimenta/lazer/WebFilatelicamente/public_html/r112/artigo_html/revista112_9.html> Acesso em: 04 dez. 2019.

MELLO, José Eduardo (Zuza) Homem de. A Era dos Festivais: Uma parábola. São Paulo: Editora 34, 2003.

SARAIVA, José Hermano. “Barcelos Canta de Galo”. RTP Arquivos [online]. Disponível em: <https://arquivos.rtp.pt/conteudos/barcelos-canta-de-galo/> Acesso em: 04 dez. 2019.




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