sábado, 19 de setembro de 2020

Música na TV

 

        A televisão é um meio de comunicação de massa que chegou ao Brasil através de uma iniciativa de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo. De acordo com Sérgio Mattos, a televisão no Brasil se desenvolveu em seis fases distintas, são elas:

“1) A fase elitista (1950 – 1964), quando o televisor era considerado um luxo ao qual apenas a elite econômica tinha acesso;

2) A fase populista (1964 – 1975), quando a televisão era considerada um exemplo de modernidade e programas de auditório e de baixo nível tomavam grande parte da programação;

3) A fase do desenvolvimento tecnológico (1975 – 1985), quando as redes de TV se aperfeiçoavam e começaram a produzir, com maior intensidade e profissionalismo, os seus próprios programas com estímulo de órgãos oficiais, visando, inclusive, a exportação;

4) A fase da transição e da expansão internacional (1985 – 1990), durante a Nova República, quando se intensificam as exportações de programas;

5) A fase da globalização e da TV paga (1990 – 2000), quando o país busca a modernidade a qualquer custo e a televisão se adapta aos novos rumos da redemocratização; e

6) A fase da convergência e da qualidade digital, que começa no ano de 2000, com a tecnologia apontando para uma interatividade cada vez maior dos veículos de comunicação, principalmente a televisão, com a Internet e outras tecnologias da informação.” (MATTOS, 2002, p. 78-79).

A música sempre este presente na televisão, em junho de 1939, na Feira de Amostras do Rio de Janeiro, houve uma primeira demonstração pública de imagens geradas e reproduzidas por um sistema de televisão no Brasil, realizada pela empresa alemã Telefunken, onde aparece a cantora Marília Batista. Em julho de 1950, em sua pré-estréia, ainda em fase experimental, a música novamente teve um papel importante.  “O programa de estréia consistiu de um espetáculo musical montado por Ribeiro Filho, incluindo como principal astro o cantor Frei Mojica.” (COSTELLA, 1984, p. 196), de acordo com uma declaração de Hebe Camargo ao jornal Diário de São Paulo, dez mil pessoas viram a imagem e ouviram o canto do Frei José Mojica. A primeira emissora de TV brasileira – também a primeira na América Latina –, a PRF-3 – TV TUPI – Canal 3 de São Paulo, foi ao ar em 18 de setembro de 1950. Neste dia, com 200 televisores espalhados pela cidade onde, mais uma vez, a música ganhou destaque, Lolita Rodrigues canta, as 17:00h, a “Canção da TV” ou  “Hino da Televisão Brasileira”, com música de Marcelo Tupinambá e letra de Guilherme de Almeida:

A cantora Marília Batista na primeira demonstração pública da empresa Telefunken (Foto publicada no tablóide Cine-Rádio Jornal, do Rio de Janeiro, de 15 de junho de 1939 apud TINHORÃO, 1981, p. 210).

HINO DA TELEVISÃO BRASILEIRA

Vingou como tudo vinga

No teu chão Piratininga,

A cruz que Anchieta plantou.

 

Pois dir-se-á que ela hoje acena

Por uma altíssima antena

A cruz que Anchieta plantou.

 

E te dá num amuleto

O vermelho, Branco e preto

Das penas do teu cocar.

 

E te mostra num espelho

O preto, branco e vermelho

Das contas do teu colar.

Em 20 de janeiro de 1951 iniciam as atividades da TV Tupi do Rio de Janeiro e mais uma vez a música entra em cena, após a abertura o apresentador anuncia as atrações e entre elas o grupo “Garotos da Lua” que tinha como integrante, o posteriormente bossanovista, João Gilberto. Já em 1952 foi inaugurada a TV Paulista, “Em 1953 veio a TV Record de São Paulo, e em 1955, a segunda emissora no Rio, a TV Rio. Em 1956 a TV Itacolomi, em Belo Horizonte e em 1960 a TV Brasília e a TV Nacional, em Brasília. Em 1961, a TV Excelsior e TV Cultura, em São Paulo: no Rio a TV Continental.” (SAMPAIO, 1984, p. 203), e inúmeras outras foram inauguradas em seguida (vide quadro 1) ou passaram por grandes transformações, chegando aos nossos dias como verdadeiros conglomerados (vide quadro 2) multinacionais exportando a produção cultural brasileira para vários países.

“Os Garotos da Lua”, com, o futuramente bossanovista, João Gilberto (no topo).

Michel Foucault nos esclarece que a televisão enquanto “espaço” corresponde ao que ele chama de heterotopia, pois se encontra alhures do restante da sociedade, segregado de seu entorno, apesar de discuti-lo e refleti-lo, segundo ele,

“A heterotopia consegue sobrepor, num só espaço real, vários espaços, vários sítios, que por si só seriam incompatíveis. Assim é o que acontece num teatro, no rectângulo do palco, em que uma série de lugares se sucedem, um atrás do outro, um estranho ao outro; assim é o que acontece no cinema, essa divisão rectangular tão peculiar, no fundo da qual, num ecrã bidimensional se podem ver projecções de espaços tridimensionais.” (FOUCAULT, 1986, p. 03).

Podemos acrescentar à isso a televisão que representa em um único lugar diversos outros lugares, bem como suas relações sociais. A TV como espaço de difusão musical, se tornaria cada vez mais importante, em 1952, pela TV Tupi, estreou o programa “Clube dos Artistas” que inicialmente foi apresentado por Homero Silva, porém, se consagraria com os apresentadores Airton e Lolita Rodrigues atingindo o ano de 1980, apesar de não ser um programa exclusivamente musical. Em 1955 estrearia o programa “Noite de Gala”, pela TV Rio, contando com a participação de Flávio Cavalcante (como repórter) que, mais tarde, em 1957, viria a apresentar o programa “Um Instante Maestro”, pela TV Tupi, este, apesar de polêmico, mais voltado para o seguimento musical. Em 1956 teria espaço o programa “Em tempo de música” na TV Tupi, sob o comando do prestigiado flautista Altamiro Carrilho. Já em 1958 outro programa estrearia “Discoteca do Chacrinha” apresentado por Abelardo Barbosa, o “Chacrinha”, iniciou na TV Tupi indo depois para a TV Rio e finalmente para a TV Globo, ajudou em muito a música brasileira, principalmente devido a sua popularidade, lançando muitos ídolos.

Homero Silva, apresentador do programa “Clube dos Artistas” pela TV Tupi (TINHORÃO, 1981, p. 212).

Nos anos de 1960 a televisão no Brasil efetivamente se consolidaria, o crescimento da população urbana e o aumento do número de emissoras contribuíram para que o “circo eletrônico” se popularizasse, tornando-se um mass media. “Em 1960 já existiam vinte emissoras de TV espalhadas pelas principais cidades brasileiras e cerca de 1,8 milhões de televisores.” (MATTOS, op. cit., p. 176). No início da década de 1960 surge um programa de grande relevância para a televisão brasileira, é o “Brasil 60”, que continuou em 61, 62 e 63, apresentado na TV Excelsior por Bibi Ferreira, por lá passaram Dorival Caymmi, Vinícius de Moraes, Elis Regina, Dalva de Oliveira, Luiz Gonzaga, Aracy de Almeida, Aurora Miranda, e a rainha da Marinha Emilinha Borba. Os anos 1960 foram extremamente agitados e na segunda metade da década surgem diversos programas musicais como: “Bossaudade” apresentado por Elizete Cardoso, “Corte-Rayol Show” apresentado por Renato Corte Real e Agnaldo Rayol, “Spot-Light-BO 65” com Wilson Simonal e Claudete Soares, “O Fino da Bossa” (depois “O Fino 67”) apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues, “Jovem Guarda” apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, todos estes apresentados no ano de 1965, pela TV Record. Depois foi a vez de “Pra Ver a Banda Passar” com Chico Buarque e Nara Leão e “Disparada” com Geraldo Vandré (1967), também estréiam “Ensaio Geral” e “Programa Raul Gil” (1967) (este último inicialmente pela TV Excelsior e depois por diversas outras emissoras). Segundo Marcos Napolitano, “Os musicais de televisão eram antigos, mas até o início dos anos 1960 disputavam o público com o rádio. Com os musicais semanais (Fino da Bossa, Bossaudade, Ensaio Geral, entre outros) consolidou-se uma nova linguagem musical e televisiva.” (NAPOLITANO, 2001, p. 55). A década de 60 ainda reservaria grandes surpresas para a música popular brasileira, esse período seria marcado pelo inicio da “Era dos Festivais”, os festivais televisivos que foram apresentados inicialmente pela TV Excelsior e depois pela TV Record, TV Rio e TV Globo, trouxeram a renovação da musica nacional com o surgimento de um panteão de novos compositores, letristas e intérpretes e seu cenário era um, “misto de comício, baile, show universitário e concerto artístico” (NAPOLITANO, 2007, pp. 88-89). Os festivais eram de fato um foco de protestos, contudo, René Rémond nos mostra que “[...] os meios de comunicação não são por natureza realidades propriamente políticas: podem tornar-se políticos em virtude de sua destinação, como se diz dos instrumentos que são transformados em armas.” (RÉMOND, 1996, p. 441). Já no final da década, em 1968, estreava o programa “Divino Maravilhoso” apresentado por Caetano Veloso e Gilberto Gil que marcaria o auge do movimento tropicalista. Em 1969 ainda surgiria o programa “MPB Especial, pela TV Cultura, apresentado por Fernando Faro.

Bibi Ferreira, apresentadora do programa “Brasil 60” da TV Excelsior. (MOYA, 2010, p. 96).

Jair Rodrigues e Elis Regina apresentadores do programa “O Fino da Bossa” da TV Record.


Wanderléia, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, no programa “Jovem Guarda” pela TV Record. (NAPOLITANO, 2001, p. 57).

Na década de 1970 ocorreria o advento da televisão colorida.

“Lançada a TV a cores no Brasil em março de 1972, na Festa da Uva em Caxias, foi a mesma introduzida sob uma evolução gradativa e sempre crescente. De começo as programações coloridas eram poucas e curtas por diversos motivos: as produções era em número reduzido e pouco numerosos os telespectadores detentores de receptores a cor; as emissoras para o branco e preto, por motivos econômicos, somente aps poucos foram substituindo os seus transmissores, câmeras, telecines por equipamentos adequados aos sistema colorido.” (SAMPAIO, 1984,  p. 247). 

A música popular brasileira encontraria inúmeras barreiras nos anos 1970 devido à forte repressão política por parte do regime militar, assim, a história da televisão no Brasil obtém

“[...] maior liberdade nos primeiros anos e restrições no momento em que atinge uma idade tecnológica e organizacional apta a intervir, pelo seu conteúdo, nas transformações sociais. [...] Em outras palavras, a censura age através da supressão de imagens e palavras na televisão e sua substituição por problemas irrelevantes [...]. Aliás, esta censura esta censura serviu de reforço a uma predominância dos conteúdos de evasão nos Meios de Comunicação, tanto impressos quanto eletrônicos, nos últimos tempos.” (CAPARELLI, 1982, pp. 163-164).

Contudo, não faltaram programas que divulgassem as produções da música nacional. Em 1970 surge “Som Livre Exportação” pela Rede Globo apresentado [primeiro por integrantes do MAU e depois] por Elis Regina e Ivan Lins. Ainda pela Rede Globo, em 1972, surgiria o “Globo de Ouro” que teve vários apresentadores e ficou no ar até 1990. Também pela Rede Globo se iniciaria, em 1974, o “Roberto Carlos Especial” programa de fim de ano que ainda hoje é exibido pela emissora e conta com a participação de inúmeros artistas da música brasileira. A Rede Globo ainda apresentaria de 1976 até 1984 o programa “Brasil Especial” que mostrava perfis de grandes nomes da MPB. Em 1975, Benito de Paula chegou a comandar o programa "Brasil Som 75", na extinta TV Tupi e, em 1979, a mesma Tupi apresentou o programa “Abertura” que tinha a frente o cineasta Glauber Rocha.

Ivan Lins, ao piano, que junto a Elis Regina apresentava o programa “Som Livre Exportação”.



REFERÊNCIAS:

ADORNO, Theodor W.. Indústria Cultural e Sociedade. 5ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. 3ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978.
CAPARELLI, Sérgio. Televisão e Capitalismo no Brasil. Porto Alegre: L & PM Editores, 1982.
COSTELLA, Antonio. Comunicação – do Grito ao Satélite: História dos Meios de Comunicação. 2ª edição.  São Paulo: Editora Mantiqueira, 1984.
FEDERICO, Maria Elvira Bonavita. História da Comunicação: Rádio e TV no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1982.
FLÉCHET, Anaïs. Por uma história transnacional dos festivais de música popular: Música, contracultura e transferências culturais nas décadas de 1960 e 1970. Patrimônio e Memória, UNESP-FCLAs-CEDAP, vol. 7, nº 1, jun. 2011, pp. 257-271.
FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: Elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008.
FOUCAULT, Michel. De outros espaços. Diacritcs, vol. 16, nº 1, primavera de 1986. Tradução de Pedro Moura.
MATTOS, Sérgio. História da Televisão Brasileira: Uma visão econômica, social e política. 2ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. 
MELLO, José Eduardo (Zuza) Homem de. A Era dos Festivais: Uma parábola. 1ª edição. São Paulo: Editora 34, 2003.
MIRANDA, Dilmar. Nós a música popular brasileira. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2009.
MOYA, Álvaro de. Glória in Excelsior: Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.
NAPOLITANO, Marcos. A televisão como documento. 1998. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber historico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998. 
__________. Cultura Brasileira: Utopia e massificação. São Paulo: Contexto, 2001.
__________. A síncope das idéias: A questão da tradição na música popular brasileira. 1ª ed.. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007.
NEPOMUCENO, Rosa. Música Caipira: Roça ao rodeio, São Paulo: Ed. 34, 1999.
RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003.
RIBEIRO, Solano. Prepare seu coração: A história dos grandes festivais. São Paulo, Geração Editorial, 2002.
SAMPAIO, Mario Ferraz. História do Rádio e da Televisão no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro, Achiamé, 1984.
SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: Das origens à modernidade. São Paulo: Editora 34, 2008.
SODRÉ, Muniz. A Máquina de Narciso: Televisão, Indivíduo e Poder no Brasil. 2ª edição. São Paulo: Editora Cortez, 1990. 
TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: do gramofone ao rádio e TV. São Paulo: Ática, 1981.
ZAN, José Roberto. A MPB na TV. [S.n.t.].



Este texto é um exerto do artigo intitulado "Música na TV: A importância da televisão na difusão da Música Popular Brasileira através dos programas musicais", publicado no livro ALBUQUERQUE, Luiz Botelho; ROGÉRIO, Pedro; NASCIMENTO, Marco Antonio Toledo. Educação Musical: Reflexões, Experiências e Inovações. Fortaleza: Edições UFC, 2015.




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